Recordo-me parte da minha infância a ouvir histórias contadas pelo meu pai sobre a vida que ele teve ao longo do seu percurso em Moçambique, como Combatente de Ultramar.
Com a compreensão e o olhar fixo sentia a curiosidade de entrar no coração dele para descobrir os medos, a guerra, o sofrimento, o povo e as formas de encarar aquele cenário de guerra.
Tudo o que me contava eu guardava com apreço e ficava na minha memória aquele olhar profundo do meu pai.
Fixo no horizonte que por vezes desviava o olhar para esconder os sentimentos que infelizmente acabavam por estar transparentes sem ele pensar.
Não foi fácil de conversar sobre o dia-a-dia de um soldado que foi obrigado a ir para a guerra e que acabava por ser ainda mais difícil quando nenhuma pessoa estava para o ver partir dando um apoio emocional como não tinha nenhuma pessoa para o ver regressar com a dor que carregava com ele.
Simplesmente levou com ele a esperança no peito e a distância no olhar que da mesma forma trouxe com ele.
Por essa razão e tantas outras. Antes de ter falado com ele, vasculhava na velha caixa branca de cartão, onde tinha um diário com folhas soltas, fotografias e muitos sentimentos escondidos nesse velho diário.
Havia também um álbum de fotografias que gerava em mim aquele desconhecimento e enigma dentro da minha mente mas que fazia-me vasculhar ainda mais para compreender o porquê e as razões.
Acabava por ficar pensativa e ao mesmo tempo com piedade do tempo que ele teve num campo de batalha.
Onde é difícil de lidar com paz e o sossego. Mas lembro-me que todas aquelas minhas perguntas sem resposta, todas aquelas imagens que cheguei a ver dos povos moçambicanos, todas essas pessoas com sorrisos estampados na cara, as paisagens naturais que acabavam por ser um refúgio a rondar o campo de batalha.
Todos os amigos do batalhão e todos os que perderam a vida na guerra amigos e desconhecidos. Ficaram as memórias bem nuas e cruas nesses papéis, fotografias e testemunho vivo de um ex-combatente que deu o seu coração para o bem da pátria Portuguesa.
Tanto ele como os outros combatentes desconhecidos, esquecidos ou perdidos na sociedade que não dão o devido valor aos heróis portugueses.
Todas essas memórias foi invertido pelo que pensava porque nem tudo era negro e duro porque ainda havia aquela esperança a ressoar dentro do coração duro de um soldado.
Por incrível que pareça. Dito pelo meu pai: “Esse era a melhor parte da vida de um soldado, é o conhecimento, a curiosidade, a harmonia entre os povos e os soldados que estavam do lado deles e não contra eles.”
Óbvio que dito e escrito em palavras ou textos ou conversas de café nunca são expressas dessa forma porque há sequelas que permanecem e nunca vão sair do pensamento de um soldado. Palavras, Palavras, nada fica resumido há Palavra,nem a texto. Ficam com o coração nas mãos a todo o minuto, hora, dia, meses e anos.
O soldado guarda com ele, as memórias negras, acelera o coração quando reaviva a memórias dos seus amigos que perdeu mas consegue travar as lágrimas para não mostrar a sua alma dorida.
Mas ser soldado é ser guerreiro, lutador mas nunca usar a sua arma como forma de matar mas sim de trocar as balas pela sua luta árdua de paz.
É complicado falar, não é ex-combatente? Ui se é! É difícil, complicado e duro de lidar com estes sentimentos negativos dessa batalha mas que infelizmente só trazem com eles um pedaço valioso das boas e vivas memórias que por lá passaram 1 ano, 2 anos, 3 anos ou mais.
Mas imaginando novamente aquele profundo olhar do meu pai, consegui perceber sem dúvida que todos esses anos passados na guerra foi algo que nunca esqueceu e que guarda com ele a revolta mas ao mesmo tempo o entendimento de olhar para a bandeira portuguesa e envergar com ela ao peito.
Isso sim, é incrível mas ao mesmo tempo triste porque a vida seria bem mais fácil se houvesse paz e equilíbrio mas só depende de todos nós. Recordo-me também de uma carta que cheguei a escrever para o meu pai.
No aniversário dele, há uns anos atrás escrevi estas palavras: Obrigada pai, pela maneira dura e árdua de me educares. Porque através dos teus ensinamentos (que me faziam lembrar as tuas memórias de infância, adolescência longas e difíceis de carregar) consegui compreender e perceber o verdadeiro coração de um soldado.
Tarefa essa muito difícil de ficar concluída porque as feridas que carregas contigo não são ferimentos físicos ( ainda bem ) mas sim as cicatrizes dessa guerra que tanto chamas por ela nas noites em branco e no silêncio da noite. Afastas as emoções e os afectos espontâneamente mas acabas por agarrar neles quando menos esperas.
Só que, fascinante é teres a capacidade de ver essas tuas memórias bem vivas desse tempo de guerra com felicidade e saudade pelo local, pela beleza que ela transmitia para ti, pelas pessoas que conheceste nesse espaço de guerra e pelos ensinamentos que eles te deram a ti.
Fotografas-te os locais, as vivências dos povos, as preocupações dos povos porque ao fim ao cabo apercebias-te que eles eram como tu porque tinham medo mas sorriam com coragem e força no dia-a-dia.
É gratificante saber que nem todos pensam como as armas de fogo mas sim com o coração. Fiquei e fico bem satisfeita sempre que falas sobre África, Moçambique, Guiné-Bissau, Angola e todos esses nomes de belas terras.
Sabe bem estar contigo e ver a BBC - Vida Selvagem na SIC,
Lembras-te?
Era no fim-de-semana, na hora do almoço. Partilhavas as tuas memórias com expressão de felicidade e dor ao mesmo tempo na hora do almoço.
Obrigado "Soldadinho" por estes momentos que ficam sempre na memória de alguém que nunca esquece o passado complicado.
Zinara ' 2010
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Continua a escrever assim!
beijocas